quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

115 - pescarias em mares dúbios

Jesus na sua pequena barca de remos recolhidos, deixou-se encaminhar pela ondulação de mar coberto pelo cerrado nevoeiro. Na sua saída para o mar das perguntas, demorou quarenta luas a ser encontrado pela distante fímbria de uma luz estranhamente luminosa que rasgava as nuvens compactas.
Saído para o mar com a convicção de ter sido convocado para obra superior, Jesus distende agora os remos com braçadas compassadas e enérgicas para alcançar o olho central da luz das respostas.
Remando e falando, remando e cantando, remando, remando, remando e gritando, remou, remou...
Remou e das bolhas de sangue que as suas mãos gretadas pelos ofícios da vida iam deixando pingar, escorrendo pelos remos borda fora da sua barca, qual casca flutuando em mar de obras dos seus demónios, Jesus das quarenta luas passadas vê cada vez mais inacessível o caminho para atingir o olho da luz. Sentindo o apelo para lançar as suas perguntas a uma força de tão desconhecida sabedoria, por ultrapassar a compreensão dos homens, predestinado ousou percorrer o turbilhão do seu destino.
A cada chapada de remos na água a luz apresentava-se tão equidistante à medida que a exaustão da força das perguntas perdia as já parcas esperanças em alcançar o tal lugar.
Deu lugar à fúria, deu espaço ao confronto pela ousadia da desfeita que lhe tinham preparado. 
Recolheu os remos e levantou-se para lançar o grito humano do desespero e desesperado porquê. Da frustração ao desespero, da angústia à revolta, vociferando contra entidades desconhecidas, atirou borda fora com todas as forças restantes num pequeno lançamento ascendente um dos remos cujas mãos ensanguentadas deixou marca no mar chão enquanto descia ao seu fundo cor de coral.
Jesus caiu em desespero, o mar não dá respostas mas mantém encerradas as perguntas...
Passadas duas luas, a barca de Jesus foi avistada à deriva mal percebendo o corpo inerte e desmaiado que guardava. Pescadores que regressavam de uma faina medíocre que o mar desses dias não ajudou, recolheram o corpo quase colapsado e que murmurava palavras imperceptíveis.
Está vivo este miserável, resmungou o Mestre da embarcação "Luz e Vida", de seu nome baptizada. 
Molhados os lábios e regressado à vida dos homens terrenos, exclamou: "não me façam perguntas que não possa responder". 
Sentado na proa do barco de pesca, com uma manta pelos ombros, agasalhado de alguma serenidade, olhou para trás e viu uma fímbria de luz forte perpassando as nuvens meio carregadas de mau tempo.
Ahh sacana, estás aí e não me quiseste receber. Pensou de olhos chorosos. 
Jesus recolhido em anos de loucura que se agravava, nunca mais foi ao mar.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

114 por corrigir

Uma mina subterrânea. 
Em laboração há quase 2 décadas.
Rocha dura e pouco fragmentária.
Existe a ideia que algures no seu interior, numa localização imprecisa está um diamante raro. Mas, é impenetrável, dela não se retira uma reacção ou caminho seguro Tudo se reveste num enorme mistério. Se a mina é rica, se está a ser perfurada na localização certa, a que profundidade estará a suposta pedra preciosa. Se esta é consentânea com o mito. Ao longo dos anos a actividade de perfurar a rocha da mina, foi utilizando várias técnicas e formas de conseguir penetrar numa direcção que a evidência demonstra a melhor capacidade de atingir o sucesso. As leituras que se retira da rocha são inexpressivas. Parece ser uma zona imune e quase nada responsiva ou reactiva à agressividade das inúmeras intervenções. Por diversas vezes quem custeia é suporta a operação decidiu ou ponderou desistir, mas a possibilidade de atingir o sucesso criou maior ilusão que ultrapassou a racionalidade. O investimento até agora realizado em toda a operação nas suas múltiplas vertentes a ser abandonado é a ruína. Custa muito mais continuar que abandonar. Abandonar é imediatamente a destruição. Os operários estão velhos, por substituir, sem forças e doentes. Cada vez mais lhes é difícil operar. A zona tem sido afectada com desmoronamentos internos por fragmentação de rochas e terras sem qualquer tipo de influência no processo de escavação. A escavadora principal e a máquina perfuradora à qual têm sido aplicadas brocas de enormes e diferentes materiais compósitos, apresente enormes perturbações de funcionamento e desgaste, que leva à consequente inoperacionalidade. Ao invés, quanto mais tempo passa baseado num processo de trabalho constante sem produzir evidência de sucesso, maior avoluma o sentimento mítico da mina não responsiva que protege o valioso diamante ou o que quer que seja que lá no seu coração em profundidade possa guardar. A mina, por fim, tem a boca da perfuração localizada na base térrea de uma alta montanha e perfurada no sentido descendente. A montanha que guarda este alegado fenómeno de um diamante de características inolvidáveis, está revestida por uma bela vegetação, desde a base com árvores de pequeno e médio porte até ao cume onde se encontra um manto rasteiro de flores... Há quase duas décadas que o tesouro tem sido procurado e forças desconhecidas guardam-no com um poder que não é humano. Contra forças desiguais, não há formas de se vencer. Talvez a montanha tenha colocado uma localização falsa de um diamante em forma de espectro ainda mais ampliado para que conseguisse enganar a real localização da pedra. Os voluntariosos mineiros, agora exaustos e doentes, passaram a temer forças emanadas pela própria montanha, que não lhe sendo possível perceber contra o quê ou quem têm lutado, sabem que não alcançarão o objectivo de uma boa parte das suas vidas. Estão entregues ao medo, à atracção da descoberta e à cada mais crescente sensação de frustração. Muitos dos que descem pelo poço perfurado, fazem o trajecto em forma de despedida, outros somente levam os olhos fechados e agarram às pegas de segurança que os conduzem numa descida para o inferno. A meio da descida, a gaiola que entrega a remessa dos mineiros às profundezas já escavada, começa a perder a força da luminosidade das lâmpadas cada vez mais espaçadas. Por essa altura, alguns dos mais antigos entoam num lente gemido o trautear das músicas que amparavam os homens que da dureza dos trabalhos, ainda encontravam força para acomodar o medo dos mais novos. Uns, outros, pediam ao Altíssimo, outros às suas mães... mas sempre durava um, adeus meu filho, nas últimas palavras. Chegados ao fim da descida da gaiola, existe ainda um longo caminho a percorrer que embora já estando electrificado, ainda dista alguma distância a vencer. Os mineiros seguem em fila como as formigas o fazem à luz do dia. Os mais antigos são responsáveis pelo encaminhar das suas equipas para cada local das inúmeras ramificações em exploração. Aqui em baixo, o ar quase que se come com a boca aberta. Se pudesse ser representado em desenho de papel, o fim do poço da mina abre em inumaras ramificações de vias trabalhadas desde o início das escavações foi esventrando da base da montanha até insondáveis profundidades. Esse desenho só seria comparável à circulação sanguínea das veias e de uma complexa comunidades construtora de túneis por formigas.


terça-feira, 27 de dezembro de 2022

111 - demissão

Quando a maior parte das credenciais de uma pessoa lhes são retiradas. 
Como se fosse uma espécie de condenação judicial mas mais grave, por lhe terem sido retiradas pelos pares. 
Retiradas e não restituídas a prazo são o esvaziamento da pessoa.
Demissão, convulsão... 

112 - ouvir a palavra

Fecha os olhos
Confia
Fecha
Confia em mim
Relaxa
Baixa os braços
Descai os ombros
Deixa descair os ombros
Hipnotiza-te, desce ao ponto da entrega...

113 - pessoas rudimentares

Sou uma pessoa rudimentar.
Tenho dificuldade em articular diferentes construções de personalidades e unificá-las no meu sujeito. Não sei entender como é possível juntar o mundo de A, de B, de Z1, de 28, de tantos tão díspares e insolúveis numa única fórmula de vida. O mais próximo que consigo alcançar é o do actor de teatro e cinema, que por artes de palco conseguem vestir a capa de personagens diferentes. Mas, acredito que seja uma profissão, que acrescenta ao seu íntimo, o possa condicionar de alguma forma na construção do caminho da vida. São sempre capas de ideia de personagens. Diferente e ser vários díspares entre si. Sou uma pessoa rudimentar e básica. Serei o suficiente para ser alguma coisa que será adjectivada.

109 - o céu dos sonhos

Alguém olhou para mim e replicou a segregação social do tempo dos negros escravos. 
Não tens direito. Não reclames. Não tentes reverter a ordem imposta sobre a banalidade das coisas e dos assuntos. Sou a nova ordem e a lei que imponho, ouvi através de palavras que não me foram ditas. Mais, também não ouvi, se as tuas obrigações não foram cumpridas, és culpado. Não poderás replicar da mesma moeda e alterar a anormalidade do rumo. Não tens direito a retaliar. O céu dos sonhos... Não existe.

110 - a corda de segurança

A que é que te agarras quando as luzes estão apagadas.
Não é uma pergunta, se bem que parece. 
Quando o Eu toma posse da consciência e retira-lhe o pudor de se esconder atrás das mentiras a que se auto-dedica durante o tempo em que as luzes estão acesas.

 Um tempo que acima de tudo não é vazio, é longo, largo e reveste-se de um sentimento de mortificação e crucificação.

 Criação de simulacros de futuro

 O teu relógio parou

 E se adiassemos o funeral se não fosses enterrado já é ficasses como um fantasma de companhia

Funerais casamentos e partos não podem ser adiados, bem os casamentos talvez, mas não seria a mesma coisa

 Se pedes luz terás de aguentar o calor do sol

Se queres campos irrigados, sofrerás com o alagamento das chuvas Se pretendes ventos fortes para mover os barcos, sabes que chegam com eles as tempestades Se quiseres silêncio, sofres a solidão Pedes música, mas arriscas a não gostar do ritmo Se anuncias ser ateu como sofres com as superstições

 A humanidade caminha no seu imperial egoísmo, em direcção da decadência moral.

O mundo, as diferentes civilizações e culturas, tratam as crianças como gado para abate. São aa guerras, os deslocados e exilados, a fome, a ausência de educação e formação escolar, as doenças e epidemias, a escravatura, a violência familiar e social... a humanidade cria à imagem dos seus poderes os futuros capangas na continuidade..

 Boa noite. Por favor pode indicar para onde vai ter esta estrada?

Vai por aí fora. Mas você quer ir para onde? Olhe não sei. Estou perdido... Oh homem se você está perdido e está com essa preocupação toda em saber para onde vai esta estrada. Se está perdido não interessa qual a estrada que está a percorrer... Ora essa, mas assim pela sua ideia nunca vou encontrar o caminho a seguir. Você para além de estar perdido é burro que nem uma porta. O que você tem de se preocupar é onde é que ficou perdido para recuperar o lugar onde pertence. Quanto mais caminhar perdido mais tempo perdido terá... Visto dessa forma se calhar tem razão. O senhor é daqui de perto? Não sei. Eu estou perdido... Ora bolas. Se está perdido quer me acompanhar? Raios que não. Estamos perdidos em tempos e locais diferentes. Caso contrário isto era um reencontro

 O amor ou a comparação com o jogo de voleibol a dois

 Escurecem os outrora campos verdejantes e sentem-se correr nervuras de odores pantanosos.

Aguardemos então. O momento, este agora suspenso sem mover ponteiros, é tempo de espera e cuidados apurados. Aguardemos o sinal das sentinelas que possa interromper este silêncio mórbido. Até lá, da boca calamos aquele sopro cachimbado e que desenha pouco acima das nossas cabeças o medo do sentimento que antecipa e alerta para o tumulto.

 Sobra cama ao amor que tenho para dar...

 "ainda ontem era menino e brincava com uma espingarda de plástico,

hoje, já tenho tanta saudade de sentir o calor do corpo de uma mulher."

 (...) "Aquele pedra que ali vês já foi o dorso de um cavalo homenageado pela sua bravura nas terríveis batalhas em que participou.

Agora é um enorme bloco de granito de forma tosca e quebrada. 

Amanhã, esta pedra outrora estátua, será outra vez esculpida e contará outra história.

Será a história de outra batalha, a batalha do amor."

 Faz comigo aquilo que te apetecer fazer mesmo que não faça sentido imediato

 Paisagem alentejana ouro e dourados dos montes e ou torrados secos de terra pobre e esgotada

 No instante intenso da imaginação, quando o espírito é uma brasa a extinguir-se, o que fui é aquilo que eu sou e na continuidade o que poderei continuar a ser.

Assim, no futuro, a irmã mais nova do passado, continuamente prestes a chegar, conseguirei ver-me aqui sentado, tal qual agora estou mas por reflexo daquilo que eu não serei nesse momento distante. Então, meus netos de um avô pretérito, saberão que a linha do horizonte é o presente que procuramos observar do futuro.

 Haja hoje para tanto ontem

 A dicotomia entre o ser fraudulento nos valores morais materiais e de confiança

E o ser que iludido confia

 Por muito forte que seja o nó entre duas pontas da corda que foi cortada, nunca voltará a ter a mesma consistência de que antes era detentora.

Não há nó forte que refaça uma corda mesmo que fraca seja. Assim são os homens,

 Se a tempestade estiver sempre à nossa frente, dificilmente teremos paz, mas poderemos enfrentar os tempos

 (...) "assim termina o poema.

A voz e a elegia finalmente se cumpriram. No último momento, chegada a redenção e capitulada após a sua queda, sem poder de defesa, a luz da morte penetrou as muralhas. O Império de Idílico, soberano agora defunto, roído pela base, não resistiu a décadas de ataques interinos. Traído pelos seus escudeiros e consortes de magistratura, soçobrou com a chegada da Nova Era. Afinal, a profecia assumia o seu corpo e razão. Idílico pagou desde sempre aos seus traidores, mas a paz apresenta outro preço. As bandeiras não foram retiradas, continuaram desfraldadas na força do desespero até serem arrancadas no infame ataque... Foram levadas com os mastros arrancados das vísceras do castelo. O horizonte é um amontoado de pedras e vontades" (...)

 Uma mina subterrânea

Em laboração há quase 2 décadas

Rocha dura e pouco fragmentária

Existe a ideia que algures no seu interior, numa localização imprecisa está um diamante raro

Mas, é impenetrável, dela não se retira uma reacção ou caminho seguro

Tudo se reveste num enorme mistério. Se a mina é rica, se está a ser perfurada na localização certa, a que profundidade estará a suposta pedra preciosa. Se esta é consentânea com o mito.

Ao longo dos anos a actividade de perfurar a rocha da mina, foi utilizando várias técnicas e formas de conseguir penetrar numa direcção que a evidência demonstra a melhor capacidade de atingir o sucesso.

As leituras que se retira da rocha são inexpressivas. Parece ser uma zona imune e quase nada responsiva ou reactiva à agressividade das inúmeras intervenções.

Por diversas vezes quem custeia é suporta a operação decidiu ou ponderou desistir, mas a possibilidade de atingir o sucesso criou maior ilusão que ultrapassou a racionalidade. O investimento até agora realizado em toda a operação nas suas múltiplas vertentes a ser abandonado é a ruína. Custa muito mais continuar que abandonar. Abandonar é imediatamente a destruição.

Os operários estão velhos, por substituir, sem forças e doentes. Cada vez mais lhes é difícil operar.

A zona tem sido afectada com desmoronamentos internos por fragmentação de rochas e terras sem qualquer tipo de influência no processo de escavação.

A escavadora principal e a máquina perfuradora à qual têm sido aplicadas brocas de enormes e diferentes materiais compósitos, apresente enormes perturbações de funcionamento e desgaste, que leva à consequente inoperacionalidade.

Ao invés, quanto mais tempo passa baseado num processo de trabalho constante sem produzir evidência de sucesso, maior avoluma o sentimento mítico da mina não responsiva que protege o valioso diamante ou o que quer que seja que lá no seu coração em profundidade possa guardar.

A mina, por fim, tem a boca da perfuração localizada na base térrea de uma alta montanha e perfurada no sentido descendente. 

A montanha que guarda este alegado fenómeno de um diamante de características inolvidaveis, está revestida por uma bela vegetação, desde a base com árvores de pequeno e médio porte até ao cume onde se encontra um manto rasteiro de flores... 

Há quase duas décadas que o tesouro tem sido procurado e forças desconhecidas guardam-no com um poder que não é humano.

Contra forças desiguais, não há formas de se vencer. Talvez a montanha tenha colocado uma localização falsa de um diamante em forma de espectro ainda mais ampliado para que conseguisse enganar a real localização da pedra.

Os voluntariosos mineiros, agora exaustos e doentes, passaram a temer forças emanadas pela própria montanha, que não lhe sendo possível perceber contra o quê ou quem têm lutado, sabem que não alcançarão o objectivo de uma boa parte das suas vidas. 

Estão entregues ao medo, à atracção da descoberta e à cada mais crescente sensação de frustração. 

Muitos dos que descem pelo poço perfurado, fazem o trajecto em forma de despedida, outros somente levam os olhos fechados e agarram às pegas de segurança que os conduzem numa descida para o inferno.

A meio da descida, a gaiola que entrega a remessa dos mineiros às profundezas já escavada, começa a perder a força da luminosidade das lâmpadas cada vez mais espaçadas. Por essa altura, alguns dos mais antigos entoam num lente gemido o trautear das músicas que amparavam os homens que da dureza dos trabalhos, ainda encontravam força para acomodar o medo dos mais novos. Uns, outros, pediam ao Altíssimo, outros às suas mães... mas sempre durava um, adeus meu filho, nas últimas palavras.

Chegados ao fim da descida da gaiola, existe ainda um longo caminho a percorrer que embora já estando electrificado, ainda dista alguma distância a vencer. Os mineiros seguem em fila como as formigas o fazem à luz do dia. Os mais antigos são responsáveis pelo encaminhar das suas equipas para cada local das inúmeras ramificações em exploração. Aqui em baixo, o ar quase que se come com a boca aberta.

 Ramificações das veias e comunidades construtoras de túneis por formigas

 (...) "Para que tudo ficasse consumado, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muito público no dia da minha execução, e que os espectadores me recebessem com gritos de ódio."

 Não existe falta de tempo

Existe falta de interesse

Quando não temos tempo mas temos interesse

O longe continua longe mas passamos a correr

O difícil continua difícil mas forçamos a tentativa

O amor impossível passa a ser idílico

E o tempo, esse, pára e flui

 Os vivos têm a sobranceria de insistir na possibilidade de fazer trazer os mortos de regresso à vida para que estes possam explicar a sua morte ou alguns dos assuntos que não conseguiram resolver. Dizem os vivos, para que os mortos tenham uma... qualquer coisa... em paz.

Quando as ossadas são levantadas se percebe o quão estúpido é esta ideia.

 O beijo dos ricos

Quem tem quem lhe dê beijos e conforto oferecido

 No copo de água que está entre nós, cabem todos os abismos marítimos e tenebrosas tempestades

 De que tamanho e que impacto têm as acções.

No momento, na reposição de um certo passado, na potenciação positiva ou negativa do futuro.

 É impossível parar o tempo.

Realidade suprema e primeira, acima de qualquer interferência do ser humano. Mas o homem pode suspender o seu tempo. O pianista de mãos suspensas sobre as teclas do piano. O violoncelista que sustém o arco no imediato momento de soltar a primeira fricção. O escritor que com a sua caneta mantém o bico da esferográfica a milímetros da folha de papel. O pintor que deixa secar a tinta nos pêlos do pincel, ainda que consiga observar a sua sombra em contra luz na tela. E o que dizer do escultor, que com a firmeza da pancada inicial, sustém a maceta que projectará o cinzel contra o bloco de granito retirado da natureza. Só a arte consegue criar a ilusão da suspensão do tempo de forma pura, porque a arte e as suas expressões da criação realizadas pelo homem traduzem a exteriorização do cérebro na criação de memória. Arte ou a criação da memória colectiva após ultrapassar a suspensão do tempo.

 Uma janela em folha aberta na horizontal. À moda antiga. Não abre lateralmente como as que estão por todo o lado. Esta por sua vez foi construída como uma guilhotina.

Sobe, prende, fica aberta. Presa.

Tal qual uma guilhotina da idade média ou dos actuais estados onde prevalece a tortura e a opressão.

 Ressentimentos crónicos,

 O criminoso não consegue rectificar o passado.

 Sentimento não representacional

 Da metáfora,

a natureza será sempre suprema na expressão da organização dos seus movimentos organizados num caos cíclico.

O ser humano e a sua intervenção será sempre a base onde toca a boca do tornado...

 Um dos contos que tenho para escrever.

Construir "humanos"; não é fabricar, porque isso implicaria a existência de meios mecânicos de produção em massa, construir o ser humano e o erro. Depois entra a análise da formatação ou correcção dos defeitos de construção.

No final, cada pessoa original, adopta um ser humano construído, recebe um cartão e boletim com instruções e informações sobre a garantia.

 A Casa dos Manequins

 "Eu sei mentiras de pessoas que elas assumem como sendo suas verdades sem que percebam o quão a consciência as ilude e deturpa o sentido da razão."

 Um pensamento

Apetece-me ser genuinamente feliz por 24 horas, adormecer feliz, acordar feliz e viver esse dia inteiro assim até adormecer de novo, mesmo que tenha de acordar em realidade.

Experimentar um estado de felicidade e alegria mas com todo o circense item de euforia anulado.

Humanamente não é possível. Obriga a fazer um esvaziamento de sensações e emoções que possam conduzir ao início de outra forma de viver, mesmo que momentânea.

O médico e a enfermeira que o tem assistido nestas últimas semanas, conversavam calmamente como que atribuindo e recebendo dicas de apoio e procedimentos.

Iniciava o processo de retirar a sedação induzida.

No canto oposto galopava do trote em rumor de choro. Duas pessoas aparentando uma idade próxima do limite se curvavam um sobre o outro com a bengala por meio a suster aqueles corpos.

O médico virou dois passos e estendeu a mão em concha sem dizer palavra.

A enfermeira revertia o processo.

Estava há algumas semanas, muito mais que as horas de felicidade pretendidas, num estado de absoluta felicidade como não havia memória de ter tido.

Revertido o processo a máquina foi desocupada.

Aquele corpo rígido vivia momentos únicos. Foi no estado de coma profundo que não se sentiu mortificado na sua dor.

A enfermeira tinha um saco com a insígnia do hospital gravado, onde estavam guardados os pertences recuperados.

Os sapatos, um lenço recuperado da algibeira das calças destruídas e ensanguentadas, um relógio com o vidro partido e a bracelete amolgada... O comboio tinha levado o resto sem se aperceber.

A enfermeira depositou o saco dos haveres e murmurou, agora está em paz, e desdobrou o lençol até se observar o contorno do nariz e da testa calva.

Passados três dias, o corpo foi enterrado e o senhor da bengala também não esteve presente na cerimónia.

 Da minha varanda tenho uma lua, 

Quando saio de casa vejo outra lua, 

A minha cidade é muito importante, tem uma lua muito bonita, 

Muitos países, tenho essa convicção, têm inveja do meu, porque acreditamos que aquela lua é impossível de ser destronada pela sua inigualável cor de prata. 

Nenhum outro planeta tem a força magnética como nós na Terra a sentimos.

Da minha janela do meu quarto, conto segredos que não consigo gritar da varanda.

Quando vou na rua, não deixo de olhar para a lua, aquela luz que me protege ao mesmo tempo que persegue os meus passos.

No dia em que subi a mais alta colina da minha cidade, tentei descobrir se a lua tinha olhos.

Alguns países dizem querer colonizar a lua e fazer por lá coisas que mal se percebe como é possível destruir dois locais da mesma forma. 

Será que todos temos uma lua só nossa...

 ... apetece-me gritar de tal forma estridente, não importa a força com que se oiça, mas que provoque uma comoção avassaladora, como a chegada de um tufão acompanhado de um tsunami que invade e destrói tudo à sua passagem. 

Ouvi dizer pela boca pueril de um menino, escondida atrás dos olhos da bondade inicial, que os peixes faziam ondas como ele fazia bolinhas de sabão.

Lembro-me tão bem de tantos dias onde num alguidar de lavar a roupa, conseguia fazer saltar a espuma e as bolas de sabão. As que se soltavam, pareciam bolas da árvore de natal. Livres e soltas, acabavam rapidamente o tempo em que estavam presas naquele liquido sujo resultado de uma lavagem tosca de um qualquer trapo, dava-lhes um sopro e seguiam. Não seguiam não. Bruto, rebentava todas. A beleza, já não era conseguir que elas fugissem ao sabor do vento, mas explodir salpidando tudo. Quanto mais gordas, mais carnudas nos vestígios que transbordavam fora do alguidar.

Naquele momento, esqueci a ousada tenra idade do rapazola, e deixei-me perguntar, como é que os peixes fazem as ondas. Que sabia ele, sem ponto de interrogação que demonstra alguma dúvida, da forma dos peixes fazerem ondas. Seguramente seria pelo abanar da cauda, quando estavam em cardume, poderiam ter uma força enorme para atirar a fúria do mar através de uma massa de água enrolada e que chegava à terra... 

Raios não faz sentido. Foi uma brincadeira de mau gosto, de um miúdo armado em engracadinho.

Passados uns dias encontrei-o ao lado da mãe no tanque comunitário da aldeia, ia de passagem até ao alto da colina ver a vastidão do mar. 

No tanque, templo sagrado onde as mulheres nesse tempo urdiam o sagrado feminino, eram cúmplices uma das outras e que reunidas trocavam a violência de esfregar e bater a roupa, pelo momento grupal da magia do momento. Ali se cantada, sozinhas, sozinhas acompanhadas, em silêncio, ou na espiritualidade do grupo. Homem não entrava. Esse ser da comunidade nao era bem vindo por elas nem pelos seus pares. Ali só existiam as mulheres. As viúvas, as mães, as filhas condenadas à vida das mães, às meninas e meninos que na tenra idade não têm sexo que lhe bifurque o caminho da estrada dos dias vindouros, eram como seres não definidos e ainda estavam no seu tempo de não serem pecadores pela presença. 

O código de vida nestas comunidades era mais forte que a lei de Deus. Só a memória dos homens das viúvas era aceite e presente. Ali estavam presentes numa invocação que as casadas dos pescadores mortos aceitavam mortificar na lembrança.

Num posto abaixo, estariam as casadas dos embarcadiços, futuras viúvas que carregavam por antecipação o peso do negro. Noutro lado estavam as mulheres dos menos capazes e dos aleijados. São mulheres dos homens que perderam a possibilidade de ir na faina. São as mulheres dos que não se levantam e só reparam as redes que os homens a sério as levarão lá para dentro. Um ou outro, já não vai pelo peso das medalhas. Um que não tem dedos que a rede lhe os levou, outro cego por ter sido picado por um atiradiço que quis fugir da rede que lhe prendia a barbatana da cauda. Havia excluídos de toda a espécie e temerários de valentias galhardas, que repercutiam o seu estatudo no tanque das mulheres da aldeia.

O bater compassado da roupa que enrola no tanque, o ritmo que ao fim de uns minutos vai sendo ganho, e depois, só depois no andamento certo entram as vozes. Lamento da vida dura da mulher do pescador que assim ajudava a tirar os restos dos dias de que aquela roupa era testemunha.

Ao fim da tarde, ainda sob a luz de fora, o homem sisudo que faz cerimónia nas palavras, passa pelos dedos a rede que amanhã será lançada às sortes. A mulher cuida do pouco, muito que há a seu lado. Os olhos dela, vigilantes e perscrutadores, saberão pela observação do homem, se o mar amanhã está de feição, se metem remos e levantam vela para sair, se vão trazer peixe, se o seu homem tem medo.

Assim são as hierarquias da comunidade e da casa. Já, até pela sorte inicial, os filhos são hierarquizados. As meninas cedo aprendem a imitar as mães, o miúdos sonham ter o seu próprio barco e pescar multidões.

Porque é que o miúdo sabia dizer que os peixes faziam as ondas, que imaginava ele da vida para se confundir com esse dito.

Olhei-o nos olhos e disse, achas mesmo que os peixes empurram o mar com a cauda e fazem aquelas ondas de espuma... 

Os seus olhos diziam tudo. Perplexidade perante o modo e a explicação das palavras. 

Realmente é ridículo fazer a pergunta, arriscar ser visto com a indiferença e menoridade da tolerância com que se olha para os bêbados e os desfezados da vida. 

Só quem consegue nadar até ao fundo do mar e gritar, percebe a força da fúria de um grito surdo. Debaixo de água não há sons, só medo e desespero. Isso são as ondas que chegam a terra, são essas ondas que as viúvas vão ao cimo do monte tentar ouvir, a forma como se enrolam dizem muito da morte e da sorte da faina.

Inteligente, perguntou-se ao menino, se não havendo som dentro do mar, como se explica a forma como as baleias falam umas com as outras, até mesmo distantes muitos quilómetros entre si, e que não deixavam de ter resposta das suas companheiras da mesma espécie.

Aquele sorriso vindo do chão que me atingiu o olhar, viajante pela orla e rendilhado da terra, foi quase fulminante. 

Como é possível que um olhar de um menino que ainda não é rapaz, pouco mais que ninguém, possa descredibilizar a vida de um homem de outras artes e afazeres. É certo que os miúdos já trazem no sangue alguma sabedoria dos pais pescadores, e que as meninas, a tristeza da viuvez das mães e avós. 

As baleias não falam. Só um estúpido pose achar que as baleias falam umas com as outras.

As baleias cantam num profundo lamento.

 Linhas emaranhadas de um novelo

O caos que o depósito da lã naquele cesto produz

Nós que se cruzam entre sonhos, pesadelos e pedaços de vida

 Escritor

Um burocrata na sua prisão

Um burocrata preso

Uma janela com gradeamento a disfarçar o encardido do vidro

Uma janela aberta, pensada em simulação de sonho não concretizado e que substitui as paredes da cela

 Sobre a condenação última

A percepção da chegada inevitável da morte com o elemento datado bem identificado.

A pessoa entra em contacto com a realidade da sua vida projectada na voz da consciência que ressoa... Tempo de balanço, de análise, de reflexão e do medo.

 Temos demasiadas certezas sobre o nosso futuro e as vias únicas que o conduzem,

Retiramos da equação a imprevisibilidade e o que esse caminho é capaz de provocar,

Esquecemos o efeito borboleta,

Alimentamos o vício do racional,

Impomos o pessimismo, o negativismo, o cepticismo, o dogmatismo e retiramos a circunstância. O elemento circunstância. 

Reduzimos a pó a desmistificação do desconhecido, abolimos a incerteza, damos como certo a parte superior da estatística e esquecemos a possibilidade do resultado residual ser tão importante quanto o quase todo apurado. Um em cada dois, em cada milhão, em ponto nunca sai do nosso lado. 

Liquidificamos a perspectiva do tempo. O tempo curto, médio e o seu fim. Não abrimos na equação do tempo a concretização de momentos sucessivamente positivos. Olvidamos que as primaveras só conseguem florir porque o agreste do inverno readobou em ciclos desde o antepassado, aquele tempo que faz nascer e abrir a cor. Todas as folhas caídas, todas as plantas mortas pela enxurrada, todos os animais definhados debaixo da invernia, todos farão renascer as terras com mais alimento. Da terra regressam à terra para proteger o ciclo da vida. 

No bingo acreditamos sair o 23 em vez do 32, na roleta russa a bala está na câmara seguinte, no totoloto o nosso prémio é acumular o jackpot eternamente porque não nos sairia de qualquer maneira...

O caminho não pode ser sempre uma estrada tortuosa sempre a subir num empedrado deslizante ao sabor do musgo, e muito menos uma descida vertiginosa sem travões.

O céptico diz que não há volta a dar mas no fim sempre se emociona em olhos humidificados... Mentirosos, diz ele para si, mas os olhos lacrimejantes não mentem.

Se os olhos choram, seja de tristeza ou raiva, então o céptico é meramente uma crosta de uma ferida mal cicatrizada.

Ninguém que chore não pode simplesmente deixar de ter acreditado, mesmo que não sinta o fervor dessa crença na hipótese de um outro sentir e devir, ao mesmo tempo que se apresenta betonado pela perda. É um estado. Petrificação, mumificação, mortificação. Nenhum estado é eterno... 

Se fosse possível ser descoberta a solução, alguém diria que a lágrima caída pelo rosto, aquela que não foi a tempo de se enxugar com o punho da camisola, essa e a outra, as seguintes, até aquelas que se escondem atrás de outras, salgadas até ácidas se possível, são as que libertamos para abrir, sempre inconscientemente porque não detemos a sabedoria do nosso espírito que nos sombreia e acompanha, vigilante fantasma, são as nossas defesas secretas de que não conhecemos o seu aquartelamento e geram fissuras no cimento bruto em argamassa entravada por varões de ferro, redrobados para consolidar a eternidade do que somos. 

As lágrimas quão pacientes são, da mesma família dos gotejantes pingos que constroem línguas de calcário em grutas que nunca viram luz do céu, são elas que conhecem por onde o betão com que um homem é feito e abrir um ponto de fragilidade... 

O tempo fará o resto.

Em sofrimento mas rasgando a inevitável ardor da tristeza de via única. Se a tristeza é o carril que acompanha o seu paralelo da felicidade, então o segredo é fazer descarrilar a nossa locomotiva.

 Tirar fotocópias e escrever para deixar nas caixas de correio das pessoas,

Dar a conhecer os pensamentos

Ter um público anónimo

Escritor no anonimato

 A antevisão da catástrofe

Este ano foi pior que o último mas anuncia-se muito melhor que o próximo

 Será que os mortos se tornam menos egoístas e assumem finalmente o âmago da essência da humanidade

Assustado. Vivo assustado.
Medo. Tenho medo.
Um nojo crítico.
Abriram-me a janela da casa.
Depois abriram todas as janelas.
Aberta a porta da rua.
No baloiço do poleiro da gaiola, se assistia ao estranho sentimento de liberdade.
A luz como um chamamento.
Experimentar abrir as asas, esticar e flectir.
"A utopia não passa de um processo criativo do desenvolvimento de um estado pessoal de insatisfação com extrapolação para a comunidade"
"Podia ter sido uma longa viagem, 
Podia ter acontecido uma longa conversa nessa viagem, 
Podia ter sido uma viagem sem apeadeiros e interrupções desnecessárias, 
Podia ter sido desfrutado. 
Mas uma viagem onde não entra a humildade, o reconhecimento do erro, a necessidade de corrigir, ceder e reconstruir... onde estas coisas não acompanham a viagem, não passa então de um comboio assente nos carris, parado e a única coisa que muda é a paisagem lá fora... que morre."
Conto da Esperança Perdida

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Um gafanhoto saltou para a biqueira do meu sapato e ali se agarrou ao nó dos atacadores, ficou,
Percorreu comigo em passo leve uns bons 150 metros,
Reparei que não se soltava nem se soltou ou saltou à primeira remexida com intenção,
Estancado passo, e de nada valeu a espera, agachei-me como se fosse apertar os sapatos.
O do lado esquerdo que não tinha companhia de bicharocos, serviu para mostrar a minha intenção,
De nada, obrigado, de nada
Quando torci a posição para o mesmo fazer ao sapato direito, demorei-me a observar aquele astuto gafanhoto.
Estava de certeza preso por algum espigão das suas flexíveis patas ao cordão, seguramente,
De intenções amistosas tentei não o assustar mas libertar e deixar seguir caminho,
Numa observação atenta, o gafanhoto aleatoriamente soltava uma pata de cada vez e não mostrava vontade de sair. Preso não estava. Medo não tinha.
Experimentar seguir viagem de novo.
No carreiro de terra fissurada, ladeado por pedras e ramagem seca que se estendia e crescia para dentro, fora do caminho, percebi que era mero transporte de algo que queria seguir viagem e conhecer outras paragens.
Dos sapatos sujos de pó de barro, ali estava garboso e esverdeado.
Sem medo e sem susto, ali estava.
Chegado a casa, ao descalçar as botas do trabalho, peguei na direita e aproximei da luz. Ali estavam uns meros riscos cravados no pó solto.
Seriam marcas das unhas do gafanhoto.
O quão adorava ser adoptado por um gafanhoto sem medo e sem sustos
É bom ver o que resta de ti...
O passado que foi
O futuro que será se vencer o presente
O presente que nunca existe e é vencido pelo constante rodar do passado.
O presente não existe.
A liberdade
A libertação
Sentidos absolutamente díspares de coisas que entendemos iguais como no encadeamento da canção do verbo. Eu vou, tu vais, eles vão, todos, vamos nas não dizemos para onde.
A libertação em muito do seu rosto, retrato e pretexto, pode ser até antagónica à liberdade.
O sentir a liberdade, a liberdade como princípio, a liberdade como utopia, a pessoal, a colectiva, pela diferenciação do conceito de liberdade e finalmente a invasão. Até onde vai a liberdade?
A invasão do espaço espectral de cada indivíduo, na ocupação da liberdade desse, ou na de que nós com voluntarismo, dolo ou culpa invadimos a de outrem.
São conceitos absolutamente genéricos, com um sentido onde todos os itens se misturam e confundem.
A jusante a libertação poderá nunca significar liberdade. Acto ou intervenção contra um sistema ou uma consequência pessoal. Acto contínuo. Acto revolucionário. Consequência ou processo. Resolução.
Disrupção.
Libertação e depois? Liberdade ou talvez não.
Libertou-se e escondeu-se, colocou-se em fuga, uma outra condição, definição de nova situação.
Desejo de liberdade.
Onde é que a liberdade e a libertação são confluentes?
Um aponta à manutenção, continuidade e futuro.
A restante assume uma condição de opressão no passado.
Adormentava-me,
Reduzir a energia
Descobri que muitas fotografias, momentos de paisagens criava um movimento que sentindo, lhe desconhecia o nome e aquela sensação desconfortável de conforto estranho. Com o passar do tempo reconheci que a energia podia ser regulada e cadenciada. Adormentar, adormentação, adormentava-me. Significava que repousava o espírito na contemplação do belo e do reconfortante. Aproveitar a luz, recolher um olhar, parar e admirar. Desde essa altura tentei apreender um novo movimento do corpo e da alma, deslocar ambos em simbiose. Chegar ao local ou à pessoa sem pressa, parar, admirar, pousar, retirar as influências e distracções... Somente ficar... Nem sempre lá consigo chegar, quando é assim, olho, reparo, observo, vejo, desligo... E imagino como seria...
Fecha os olhos
Confia
Fecha
Confia em mim
Relaxa
Baixa os braços
Descai os ombros
Um minuto que fosse de felicidade
Um dia completo, deitar feliz e fazer um dia completo num ciclo
O peso das palavras
Foi executado
Foi abatido
Assassinado
Morreu
Faleceu
Atingido por doença fatal
Desaparecido

domingo, 18 de dezembro de 2022

da sabedoria do mar e suas gentes

... apetece-me gritar de tal forma estridente, não importa a força com que se oiça, mas que provoque uma comoção avassaladora, como a chegada de um tufão acompanhado de um tsunami que invade e destrói tudo à sua passagem. 
Ouvi dizer pela boca pueril de um menino, escondida atrás dos olhos da bondade inicial, que os peixes faziam ondas como ele fazia bolinhas de sabão.
Lembro-me tão bem de tantos dias onde num alguidar de lavar a roupa, conseguia fazer saltar a espuma e as bolas de sabão. As que se soltavam, pareciam bolas da árvore de natal. Livres e soltas, acabavam rapidamente o tempo em que estavam presas naquele liquido sujo resultado de uma lavagem tosca de um qualquer trapo, dava-lhes um sopro e seguiam. Não seguiam não. Bruto, rebentava todas. A beleza, já não era conseguir que elas fugissem ao sabor do vento, mas explodir salpidando tudo. Quanto mais gordas, mais carnudas nos vestígios que transbordavam fora do alguidar.
Naquele momento, esqueci a ousada tenra idade do rapazola, e deixei-me perguntar, como é que os peixes fazem as ondas. Que sabia ele, sem ponto de interrogação que demonstra alguma dúvida, da forma dos peixes fazerem ondas. Seguramente seria pelo abanar da cauda, quando estavam em cardume, poderiam ter uma força enorme para atirar a fúria do mar através de uma massa de água enrolada e que chegava à terra... 
Raios não faz sentido. Foi uma brincadeira de mau gosto, de um miúdo armado em engracadinho.
Passados uns dias encontrei-o ao lado da mãe no tanque comunitário da aldeia, ia de passagem até ao alto da colina ver a vastidão do mar. 
No tanque, templo sagrado onde as mulheres nesse tempo urdiam o sagrado feminino, eram cúmplices uma das outras e que reunidas trocavam a violência de esfregar e bater a roupa, pelo momento grupal da magia do momento. Ali se cantada, sozinhas, sozinhas acompanhadas, em silêncio, ou na espiritualidade do grupo. Homem não entrava. Esse ser da comunidade nao era bem vindo por elas nem pelos seus pares. Ali só existiam as mulheres. As viúvas, as mães, as filhas condenadas à vida das mães, às meninas e meninos que na tenra idade não têm sexo que lhe bifurque o caminho da estrada dos dias vindouros, eram como seres não definidos e ainda estavam no seu tempo de não serem pecadores pela presença. 
O código de vida nestas comunidades era mais forte que a lei de Deus. Só a memória dos homens das viúvas era aceite e presente. Ali estavam presentes numa invocação que as casadas dos pescadores mortos aceitavam mortificar na lembrança.
Num posto abaixo, estariam as casadas dos embarcadiços, futuras viúvas que carregavam por antecipação o peso do negro. Noutro lado estavam as mulheres dos menos capazes e dos aleijados. São mulheres dos homens que perderam a possibilidade de ir na faina. São as mulheres dos que não se levantam e só reparam as redes que os homens a sério as levarão lá para dentro. Um ou outro, já não vai pelo peso das medalhas. Um que não tem dedos que a rede lhe os levou, outro cego por ter sido picado por um atiradiço que quis fugir da rede que lhe prendia a barbatana da cauda. Havia excluídos de toda a espécie e temerários de valentias galhardas, que repercutiam o seu estatudo no tanque das mulheres da aldeia.
O bater compassado da roupa que enrola no tanque, o ritmo que ao fim de uns minutos vai sendo ganho, e depois, só depois no andamento certo entram as vozes. Lamento da vida dura da mulher do pescador que assim ajudava a tirar os restos dos dias de que aquela roupa era testemunha.
Ao fim da tarde, ainda sob a luz de fora, o homem sisudo que faz cerimónia nas palavras, passa pelos dedos a rede que amanhã será lançada às sortes. A mulher cuida do pouco, muito que há a seu lado. Os olhos dela, vigilantes e perscrutadores, saberão pela observação do homem, se o mar amanhã está de feição, se metem remos e levantam vela para sair, se vão trazer peixe, se o seu homem tem medo.
Assim são as hierarquias da comunidade e da casa. Já, até pela sorte inicial, os filhos são hierarquizados. As meninas cedo aprendem a imitar as mães, o miúdos sonham ter o seu próprio barco e pescar multidões.
Porque é que o miúdo sabia dizer que os peixes faziam as ondas, que imaginava ele da vida para se confundir com esse dito.
Olhei-o nos olhos e disse, achas mesmo que os peixes empurram o mar com a cauda e fazem aquelas ondas de espuma... 
Os seus olhos diziam tudo. Perplexidade perante o modo e a explicação das palavras. 
Realmente é ridículo fazer a pergunta, arriscar ser visto com a indiferença e menoridade da tolerância com que se olha para os bêbados e os desfezados da vida. 
Só quem consegue nadar até ao fundo do mar e gritar, percebe a força da fúria de um grito surdo. Debaixo de água não há sons, só medo e desespero. Isso são as ondas que chegam a terra, são essas ondas que as viúvas vão ao cimo do monte tentar ouvir, a forma como se enrolam dizem muito da morte e da sorte da faina.
Inteligente, perguntou-se ao menino, se não havendo som dentro do mar, como se explica a forma como as baleias falam umas com as outras, até mesmo distantes muitos quilómetros entre si, e que não deixavam de ter resposta das suas companheiras da mesma espécie.
Aquele sorriso vindo do chão que me atingiu o olhar, viajante pela orla e rendilhado da terra, foi quase fulminante. 
Como é possível que um olhar de um menino que ainda não é rapaz, pouco mais que ninguém, possa descredibilizar a vida de um homem de outras artes e afazeres. É certo que os miúdos já trazem no sangue alguma sabedoria dos pais pescadores, e que as meninas, a tristeza da viuvez das mães e avós. 
As baleias não falam. Só um estúpido pose achar que as baleias falam umas com as outras.
As baleias cantam num profundo lamento.

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Viagens

Os comboios de partida são os que se perdem, os de retorno são apanhados sempre a horas, mesmo que possam sair da estação fora da hora prevista.
Passou o autocarro, o táxi não parou, o comboio já ia de viagem quando lhe vi o rabo, o barco já ia com a maré. Não importa a hora da partida, esses são os que se perdem.
Quando se regressa, quando o destino é o regresso a onde se partiu, não interessa o horário. A ansiedade pede que se meta pé à viagem, e o tempo do caminho se faça não em tempo ou distância, mas em paisagem que se reconhece. É ali depois daquelas montanhas, depois de passar o bosque já se vêem prédios...
Assim são as viagens.



das formas geométricas,

A lua redonda, 
Ao longe brilha acima do mar uma vela em forma de triângulo. 
O telemóvel, esse rectângulo que é a tua companhia, é apontado acima da linha horizontal que separa a água longínqua do céu que se pretende descobrir estrelado.
Estás encostado a um poste de luz, seguro na sua forma cilíndrica.
Observas o pontilhado.
Cada ponto é uma estrela,
Dizem que cada uma encerra em si um desejo que alguém cá em baixo lhe atribuiu.
Vês formas que se dissipam no adormecimento do olhar...

domingo, 4 de dezembro de 2022

(...) Todos os textos deveriam começar com, abre ponto ponto ponto fecha

(...) "Todos os textos deviam, impreterivelmente, começar, melhor escrevendo, de continuar após o conjunto de sinais, abre ponto ponto ponto fecha. Tudo é uma continuação de algo começado através de um sistema com ramificações múltiplas que nos confundem e conduzem a atenção para aquele momento - o início do texto.
E depois?
Depois chega a matemática com um balde e uma esponja.
A matemática, suprema arte da concordância através da simbologia, deposita de forma ordenada o esquema da ordem ou do caos. O resultado. O resultado correcto ou incorrecto, admissível ou questionável.
Perante o resultado, chegado ao momento, à acção que inicia a própria acção, aceite a matemática, assumimos o a importância da figura do balde e da esponja. Servem para apagar, lavar, dar corpo a um vazio que se preenche. Muitas vezes usamos a mesma água de lavagens anteriores para expurgar aquilo que nos parece desnecessário. A utilização de águas que não são puras, condiciona-nos e começamos sempre, assim, da mesma forma. Acções que deveriam ser novas e únicas, assumem os mesmos resquícios de impurezas que condicionam o início e menos a continuidade.
O balde e a esponja, que expurga os condicionalismos do pensamento e da futura acção, afiguram-se como o elemento que visualmente é desprezível ou desconsiderado, mas que por sua utilização como ferramenta crucial, permitirá a assumpção da revolução, enquanto começo que não carrega a inspiração de um passado. 
A questão fundamental, se se conseguir sobrevoar a paisagem acima da linha de observação do horizonte e retirarmo-nos fisicamente do nosso centro de decisão, é ter a capacidade de gerar como que uma onda de entendimento que consegue sair da nossa perspectiva horizontal de curto alcance, nunca para além da nossa visão e observar sob condição de julgamento vertical, e desta forma produzir rupturas. Se o farol ilumina os mares fechados nas noites de tempestades até ao limite da força do seu rotativo foco de luz, também é certo que quem está em mar revolto na busca de pontos de orientação, estará condicionado por diversos elementos à capacidade de no meio do breu conseguir discernir a luz de aviso que o poderá salvar. A condição de um pode não chegar à necessidade do seu outro. Se o farol não orientar a luz em constante rotação numa intermitência cadenciada e se fixar por deficiência num qualquer ponto, do mar poderá por desorientação, ser confundida com alguma estrela ou tapado por um nevoeiro mais cerrado. Do mar, a busca desesperada por um sinal, pode ao mesmo tempo condicionar a sua procura.  
A ruptura é a colisão e o consequente corte com a ramificação das linhagens e estirpes de raciocínio e acção da história. A pureza que se pretende alcançar é o momento que esvazia o hábito. Que apaga a história, atirando-a para a memória como uma imagem estática, e por outro lado, assuma a introdução do mecanismo da esponja. Sintética ou natural, a esponja expande-se por absorção, no limite da sua capacidade, à retenção de elementos exteriores. 
O expurgar dos condicionalismos anteriores e a sua renovação por novos conceitos, têm a capacidade de gerar o momento zero. Zero de inexistente e vazio. Estruturalmente o vazio será sempre observado na condição de ausência de conteúdo mas, obrigatoriamente, não ignorando a forma ou o corpo que permitirá ser o receptáculo de uma nova ordem de início. Existe a forma que o sustém, edifício vazio, diferente do vazio disperso e não passível de ser agregado numa unidade.  O zero como figura mítica da inexistência de tudo e do todo, não é aqui considerado como ideia prática. O infinito ou sem fim do espaço, e o zero sem ausência de matéria ou pensamento, são conceitos gerais da humanidade que não expurgou a sua finitude e limitação do conhecimento e observação, pela incapacidade de conhecer (dar respostas) três dos vários elementos básicos da existência humana. 
Sendo, o início absoluto, Big Bang, caso contra natura, a matéria explodiu por contracção e implosão; a vastidão do espaço, que permite observar o perto sem alcançar o longínquo, cada vez mais longe por introdução de novas matemáticas e tecnologias que nos apresentam como resultado que somos, um azar da evolução e das catástrofes que geraram as condições físicas e químicas para a nossa existência. Ao ser humano que se assumiu como predestinado pelo omnipresente, omnisciente e omnipotente, espécie inteligente que evoluiu no paradoxo que demonstra a sua condição ínfima da estatística, gerou um momento inicial para consumo da sua condição. Hoje a ciência mostra que o Homem enquanto ser vivo em partilha, com os demais elementos animais e vegetais existentes no seu espaço instransponível, é a única forma de vida, sob condição predadora que poderá decidir a extinção não só de grupo mas da unidade do planeta. Se os diversos anteriores eventos catastróficos que conduziram à interrupção dos processos de evolução dos seres em evolução no planeta Terra, tiveram origem em fontes exteriores, por colisão de meteoritos e colisão com outros objectos que geraram outras rotas de desenvolvimento da Terra, despertando-a no caos e na destruição para a criação de novas formas de vida, agora, a humanidade pode caminhar na direcção do abismo catastrófico da destruição e desintegração do planeta. Este é o factor que faltava na composição dos três elementos básicos da interpretação que o ser humano assume - a detecção do vazio.
Todos os textos deveriam começar com (...), abre ponto ponto ponto fecha. Tudo é uma continuação de uma manifestação. A capacidade que expurgar o passado, poderá ser a maior revolução que qualquer pessoa possa em algum momento da sua vida almejar. No fundo somos micro rupturas e espirros de revoluções, caminhos percorridos em circulo como a rotação do farol, sempre apontando na mesma elipse para disfarçar que a luz que o faroleiro apronta para as noites negras possa produzir algum aviso para lá do mar.    

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Airbus Paradoxo da corrupção

Notícia de 30 da Novembro de 2022.
O gigante da aeronáutica francês, aceitou o pagamento de uma multa de 15,9 milhões de euros para evitar o processo judicial por corrupção. Estão em causa, um conjunto de factos apurados, praticados entre 2006 e 2011, na venda de aviões à Líbia e Cazaquistão.

Limpar um dos maiores crimes comerciais praticados pelas empresas, no envolvimento de práticas de corrupção e desvio de capitais, retirando aos cofres recursos financeiros importantes para a gestão do negócio, para tal, o pagamento de uma multa, por maior que seja, é uma assunção entre as partes, o corruptor e o sistema judicial, que o caso pode ser limpo sem demais consequências.
As consequências serão sofridas pelos trabalhadores e pelos fornecedores que acabam por serem penalizados, não raras vezes, com o atraso da liquidação das facturas por serviços prestados. 
Os accionistas, força de pressão, farão interceder por salvaguardar os seus interesses nos investimentos realizados e na recuperação sistemática de lucros.
E assim se giram os mundos dos negócios...