terça-feira, 27 de dezembro de 2022

 Temos demasiadas certezas sobre o nosso futuro e as vias únicas que o conduzem,

Retiramos da equação a imprevisibilidade e o que esse caminho é capaz de provocar,

Esquecemos o efeito borboleta,

Alimentamos o vício do racional,

Impomos o pessimismo, o negativismo, o cepticismo, o dogmatismo e retiramos a circunstância. O elemento circunstância. 

Reduzimos a pó a desmistificação do desconhecido, abolimos a incerteza, damos como certo a parte superior da estatística e esquecemos a possibilidade do resultado residual ser tão importante quanto o quase todo apurado. Um em cada dois, em cada milhão, em ponto nunca sai do nosso lado. 

Liquidificamos a perspectiva do tempo. O tempo curto, médio e o seu fim. Não abrimos na equação do tempo a concretização de momentos sucessivamente positivos. Olvidamos que as primaveras só conseguem florir porque o agreste do inverno readobou em ciclos desde o antepassado, aquele tempo que faz nascer e abrir a cor. Todas as folhas caídas, todas as plantas mortas pela enxurrada, todos os animais definhados debaixo da invernia, todos farão renascer as terras com mais alimento. Da terra regressam à terra para proteger o ciclo da vida. 

No bingo acreditamos sair o 23 em vez do 32, na roleta russa a bala está na câmara seguinte, no totoloto o nosso prémio é acumular o jackpot eternamente porque não nos sairia de qualquer maneira...

O caminho não pode ser sempre uma estrada tortuosa sempre a subir num empedrado deslizante ao sabor do musgo, e muito menos uma descida vertiginosa sem travões.

O céptico diz que não há volta a dar mas no fim sempre se emociona em olhos humidificados... Mentirosos, diz ele para si, mas os olhos lacrimejantes não mentem.

Se os olhos choram, seja de tristeza ou raiva, então o céptico é meramente uma crosta de uma ferida mal cicatrizada.

Ninguém que chore não pode simplesmente deixar de ter acreditado, mesmo que não sinta o fervor dessa crença na hipótese de um outro sentir e devir, ao mesmo tempo que se apresenta betonado pela perda. É um estado. Petrificação, mumificação, mortificação. Nenhum estado é eterno... 

Se fosse possível ser descoberta a solução, alguém diria que a lágrima caída pelo rosto, aquela que não foi a tempo de se enxugar com o punho da camisola, essa e a outra, as seguintes, até aquelas que se escondem atrás de outras, salgadas até ácidas se possível, são as que libertamos para abrir, sempre inconscientemente porque não detemos a sabedoria do nosso espírito que nos sombreia e acompanha, vigilante fantasma, são as nossas defesas secretas de que não conhecemos o seu aquartelamento e geram fissuras no cimento bruto em argamassa entravada por varões de ferro, redrobados para consolidar a eternidade do que somos. 

As lágrimas quão pacientes são, da mesma família dos gotejantes pingos que constroem línguas de calcário em grutas que nunca viram luz do céu, são elas que conhecem por onde o betão com que um homem é feito e abrir um ponto de fragilidade... 

O tempo fará o resto.

Em sofrimento mas rasgando a inevitável ardor da tristeza de via única. Se a tristeza é o carril que acompanha o seu paralelo da felicidade, então o segredo é fazer descarrilar a nossa locomotiva.

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