A história do maior parafuso do mundo, da sua porca de aperto e dos afins.
A vida criou o maior parafuso do mundo, seguramente para aparafusar coisas enormes, empilhadas em cima uma das outras e aos olhos das tarefas, de modo a parecer forte, bruto, complexo e assustador, capaz de suportar tarefas de grande dimensão.
Certo dia estava o parafuso amparado, meio encostado e a tombar para um dos lados, com a sombra projectada que não só prolongava o tamanho como lhe conferia o efeito assustador.
Alguém perguntou se o parafuso não estaria incompleto. Que raios, quem inventa o parafuso cria também a porca... A porca? Sim a porca, a contra porca, a anilha e a porca de aperto.
Os ombros circundantes encolheram os ânimos por desconforto da dúvida.
Estava pois a tarefa incompleta.
Depois, alguém decidiu dar utilidade ao maior parafuso do mundo e criar um estudo para produzir uma porca a condizer, e assim, segundo as normas desconhecidas poder terminar o projecto.
Isso mesmo.
Uma para apertar, uma para suster e fazer aguentar a que apertava.
Depois disseram - E aquilo da anilha não é importante? Não ajudará para que o que será apertado, tenha ali uma espécie de guarda para não ferir com a força do aperto? Calculo que com tamanho equipamento seja necessária uma força superior.
Assim foi.
Os mestres ferreiros pegaram nas suas mestrias da sabedoria, do alcance dos braços e da força das mãos, e de lá surgiram umas peças equilibradas na harmonia e na simetria com que cada face se mostrava à que se escondia à sua frente. Três pares de faces, em ângulos alinhados até perfazerem um círculo sextavado de seis faces.
Ao lado do maior parafuso do mundo foi depositado uma porca, uma anilha e outra porca em tudo igual e gémea com a sua depositada em primeiro lugar. Uma apertava e a segunda amparava essa. Quando a força da primeira poderia ter necessidade de fraquejar, estaria ali costas com costas, a sua irmã gémea para não deixar descarrilar.
Uma dia o parafuso gigante deu de si, descaiu, rolo sobre as suas ranhuras sulcadas no corpo, quase tombou, rolou, rolou e em alerta a porca primeira cotovelou a anilha e esta tilintou, a porca segunda acusou o toque pelo ribombar da trovoada que se adivinhava.
Lá longe, tão longe quanto os olhos podiam alcançar, os céus destinavam a anunciada chegada de dias sombrios, com ventos contrários, chuva tocada a pedra de granizo que mais pareciam lascas de granito a espirrar contra a terra.
Caiu a tempestade. Uma tempestade de que não há memória. Os velhos ferreiros diziam que era pior que aquelas faladas de boca em boca e que foram parar à escrita das linhas bíblicas.
Para que a tempestade seja severa é necessário descarregar a força dessa vontade, só assim ela alivia as nervuras dos elementos destruidores...
Encharcam-se as terras, galgam as ribeiras em rios furiosos, chegam as chapadas do vento, relâmpagos e trovoadas, trovoadas e relâmpagos, gritos todos mudos e surdos.
Cegos ficamos. Cegos ficámos.
Paira o silêncio.
O maior Parafuso do Mundo inteiro, a porca de aperto, a anilha que aconchega para não ferir e a porca que sustém, estavam agora mergulhadas nos restos da agonia, presas a uma mão maior.
O barco na amurada precariamente seguro por cordas a terra segura, deixava ouvir aquele ranger que arrepia a pele.
Esticavam e aliviavam ao sabor da subida do cume da onda e seguravam quando os seixos do chão do mar quase desapareciam no vazar da água fugidia.
Os ferreiros gritavam - o ferro é da forja, os marinheiros batiam cachimbo na madeira do leme e sussurram - ali vem de feição, em terra os povos pagãos rezavam para que a força aguentasse, mas a tempestade era forte.
O ancião disse aos ferreiros e aos marinheiros que, ora uns ora outros, faziam do sangue forças para aguentar a empresa, - façam sorte e apontem que a porca entra com a sua saliente rosca em espiral na rosca saliente em espiral do parafuso. Aprender que importa que a mão que segura e aperta não largue. A mão que pegue no corpo do parafuso pela sua cabeça e faça rolar a porca primeira pelo corpo acima.
E assim foi.
O maior Parafuso do Mundo, a sua porca, a anilha e a porca gémea, perceberam que eram um corpo único, desde que receberam o punho férreo de quem segurou e não deixou que a corda que amarrou o barco no porto, enquanto a tempestade era maior que o medo sentido, ali entenderam que quando se ama, o que a solda une e não há forças que possam rachar...
O maior Parafuso do Mundo percebeu com quantas faces se faz uma porca que aperta, sustém e aconchega.
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