quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

115 - pescarias em mares dúbios

Jesus na sua pequena barca de remos recolhidos, deixou-se encaminhar pela ondulação de mar coberto pelo cerrado nevoeiro. Na sua saída para o mar das perguntas, demorou quarenta luas a ser encontrado pela distante fímbria de uma luz estranhamente luminosa que rasgava as nuvens compactas.
Saído para o mar com a convicção de ter sido convocado para obra superior, Jesus distende agora os remos com braçadas compassadas e enérgicas para alcançar o olho central da luz das respostas.
Remando e falando, remando e cantando, remando, remando, remando e gritando, remou, remou...
Remou e das bolhas de sangue que as suas mãos gretadas pelos ofícios da vida iam deixando pingar, escorrendo pelos remos borda fora da sua barca, qual casca flutuando em mar de obras dos seus demónios, Jesus das quarenta luas passadas vê cada vez mais inacessível o caminho para atingir o olho da luz. Sentindo o apelo para lançar as suas perguntas a uma força de tão desconhecida sabedoria, por ultrapassar a compreensão dos homens, predestinado ousou percorrer o turbilhão do seu destino.
A cada chapada de remos na água a luz apresentava-se tão equidistante à medida que a exaustão da força das perguntas perdia as já parcas esperanças em alcançar o tal lugar.
Deu lugar à fúria, deu espaço ao confronto pela ousadia da desfeita que lhe tinham preparado. 
Recolheu os remos e levantou-se para lançar o grito humano do desespero e desesperado porquê. Da frustração ao desespero, da angústia à revolta, vociferando contra entidades desconhecidas, atirou borda fora com todas as forças restantes num pequeno lançamento ascendente um dos remos cujas mãos ensanguentadas deixou marca no mar chão enquanto descia ao seu fundo cor de coral.
Jesus caiu em desespero, o mar não dá respostas mas mantém encerradas as perguntas...
Passadas duas luas, a barca de Jesus foi avistada à deriva mal percebendo o corpo inerte e desmaiado que guardava. Pescadores que regressavam de uma faina medíocre que o mar desses dias não ajudou, recolheram o corpo quase colapsado e que murmurava palavras imperceptíveis.
Está vivo este miserável, resmungou o Mestre da embarcação "Luz e Vida", de seu nome baptizada. 
Molhados os lábios e regressado à vida dos homens terrenos, exclamou: "não me façam perguntas que não possa responder". 
Sentado na proa do barco de pesca, com uma manta pelos ombros, agasalhado de alguma serenidade, olhou para trás e viu uma fímbria de luz forte perpassando as nuvens meio carregadas de mau tempo.
Ahh sacana, estás aí e não me quiseste receber. Pensou de olhos chorosos. 
Jesus recolhido em anos de loucura que se agravava, nunca mais foi ao mar.

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