"Na ténue linha de horizonte, onde se confundem a terra lamacenta sofrida da invernia, com o céu que se purifica nos constantes e persistentes acessos de ira e das borrascas que nos transportam para tempos outrora iniciais, desperta assim um certo dealbar ou uma nova fronteira que alarga a separação.
Temem os homens das terras pedregosas, que essas nesgas de promessa de mudança, raramente se traduzam no despertar da Primavera das luzes e das ideias.
Que de um Inverno rasgado e não poupado, afinal de contas, mais não seja a antecâmara da antevéspera do final de um inaudito Outono, promessa e preparação de novas tormentas que se adivinham.
Diz a sabedoria, quanto mais tarda menos nos vemos livre delas, como quem diz, se é para sofrer que venha rápido e depressa acabe, até para que os cães possam enfim começar a lamber as feridas.
Entretanto, e porque o Inverno dos dias que correm, teima a não nos largar, resta a esperança de poder observar a persistência da evocação da esperança.
Há sempre homem na esperança.
Haverá sempre evocação dos sons dos finados quando a guerra se perde.
A irrepetibilidade da formação de um floco de neve é a simbologia que se retira dos dias. Nenhum precede outro igual, nem outro se permite repetir.
Neste final do resquício da descoberta entre fronteiras dos dias que se sucedem ou se atropelam, ouve-se o crepitar das pinhas que se abrem no fogo chão, enquanto a cafeteira do café aquece ao lume.
Mesmo que o café seja amargo."
Dagoberto de Andrade, pelos "Invernos destes dias"
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