segunda-feira, 30 de outubro de 2023

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Quando a saudade era grande, aquele homem de bainhas por descer, timidamente mostrava indiferença ao percorrer os corredores luminosos dos centros comerciais da sua cidade.
Mal disfarçado, simulava interesse ao entrar em lojas que compunham outras necessidades de nenhuma urgência e vagueava sem tempo contado, até que se dirigia a uma das perfumarias, com o cuidado de não repetir a visita.
Sentia a indecência de abusar do tempo das funcionárias para proveito próprio e a elas desnecessário. 
De qualquer forma, balbuciava o nome do perfume que alegadamente alguém lhe teria sugerido comprar para oferecer à sua esposa. Idílic for Women.
Assim se chamava aquela essência de remorsos, recordações e memórias. 
Umas vezes a timidez o traía ao dizer o nome, outras era mesmo o inglês arcaico que lhe torcia a voz.
O caso só ficou registado porque na visita passada, este homem, foi desmascarado.
A jovem senhora que o atendia, quase fardada de hospedeira sofisticada das mais conceituadas companhias de aviação, deduziu por intuição a presença de um meliante.
Deu uma tira cartonada impregnada do perfume a cheirar, depois torceu o olhar, reforçou a dose pulverizada e voltou a oferecer ao homem que está a atender para que este comprove a luxúria desta fragrância.
Momentaneamente tocaram olhares. Ela levantou o queixo. Ele se pudesse morria.
O corpo dele embriagado não estava preparado para morrer.
Ela não tinha o dedo acusador em riste.
Tem saudades, perguntou ela.
As lágrimas começam a descer com a urgência de um rio que corre para a foz.
Desculpe. Desculpe. Naturalmente balbuciado. 
A sua esposa... 
Era o perfume da minha senhora, morreu vai fazer um ano, era o perfume dela de sempre e o meu amor. Nunca lhe conheci outro perfume e coitadita, as roupas já estão a perder o cheiro... 
Compreendo. 
A funcionária baixou-se e abriu uma das portinholas daquela secção da estante e tirou um pequena caixa branca. 
Tocou-lhe numa mão e na outra depositou a amostra daquele perfume. 
Quando faltar passe por aqui, venha ter comigo, não se preocupe que não necessita de dizer nada. Pode ser um dia alguém também sinta a minha falta como o senhor sente da sua senhora. 
E as lágrimas que ele antes deixava cair, eram as que faltavam nascer na vida daquela mulher. 
Em casa, ao lado da vela acessa que velava a fotografia, passou a ficar aquele frasquinho de perfume.

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