(...) "Deus despediu-se do seu trabalho.
Sem aviso prévio, tirou o fardamento da empresa que o tinha contratado, e deixou ficar as vestes brancas em cima do cadeirão de onde supervisionava os movimentos dos frequentadores do Condomínio Céu & Paraíso Resort.
Fartou-se.
Não suportava mais o serviço nem as desconsiderações constantes com que era tratado.
Sentado no seu cadeirão, supondo-se detentor de um poder de supervisão inquestionável, era omnipresente, omnipotente e omnisciente. Estava em todo o lado, a toda a hora e sabia de tudo o que se passava naquele luxuoso edifício de 48 pisos.
Era a Deus que as empresas de serviços pediam informações sobre os condóminos, era a ele que o carteiro todos os dias despejava as dezenas de cartas, encomendas e registos, que diligentemente se apressava a colocar nas caixas do correio, ou a informar de algum conteúdo de maior urgência e interesse para o destinatário.
Por diversas vezes, Deus chamava a atenção dos inquilinos mais antigos, que os tempos recentes traziam consigo uma certa falta de tranquilidade e urbanidade. A indignação era resultado do desleixo e da indiferença. Fossem doutores e engenheiros de licenciatura recente mas de trato pouco familiar, fosse das suas esposas com doutas poses de sobranceria que raiavam a falta de amabilidade, sem referir os magotes de moços e moças que circulam numa obscena gritaria e de linguagem imprópria ao gabarito que o 666 da Avenida Principal, tinha granjeado pelas décadas de existência.
Assim foi.
Aborreceram Deus.
Deus olhava para aqueles dias e no que se tinham tornado, com a agrura de quem não se identificava com o desprezo das pessoas que se manifestava na subalternidade e desprezo pela sua função de zelador do espaço e dos haveres.
Deus demitiu-se.
A Comissão de Gestão e Acompanhamento do Condomínio 666, reuniu-se de urgência. Nas primeiras palavras do seu presidente, o Senhor Moisés, disse: "Deus desapaceu, perdemos Deus, quem está a altura de substituir Deus!??"
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