domingo, 27 de novembro de 2022

Situações e casos que fazem hábitos.
Determinada pessoa levava o cão a passear todos os dias à mesma hora do fim da madrugada, independentemente do frio, do escuro ou da chuva que caísse, pelo mesmo trajecto até ao sítio onde ao lado de uns pequenos arbustos ficava ali aguardando.
Era o café matinal não tomado que o acordava para o mundo em alvorada.
Cedo ouvia os mesmos sons, todos os dias nascidos, uns escutados outros nitidamente percebidos pela sua ausência.
Estores que abrem e luzes que se acendem.
Luzes acendidas e janelas que se abrem.
Esta pessoa começou a perceber que ele era quem iniciava a vida naquela rua daquele bairro.
Todos os dias estava lá antes das janelas, estores e luzes se acenderem.
Para dar dignidade ao acto, tal qual um porteiro se apresenta de farda composta, começou a acordar meia hora mais cedo para que no mesmo momento repetido todos os dias, se apresentasse devidamente vestido para dar as boas vindas ao dia nascente e aos vizinhos que iniciavam, só agora e por sua influência, mais um dia de vida.
Passou a regressar a casa com o seu fiel companheiro, qual almuaden quixotesco, com o dever cumprido de dar vida à vida daquela gente.
Por influência ou sabedoria animal, o cão passou a ladrar mais, mais vezes, mais alto, mais solene também. Avisava assim os seus iguais da classe a reagirem e transmitir aos donos a boa nova do dia.
Aquela rua daquele bairro acordava todos os dias, tal como sempre fizera desde que existe com a toponímia baptizada. Mas uma coisa é certa, acordados ou não, esta pessoa todos os dias via a vida daquela rua daquele bairro a acordar e dar sinal de vida.
O cão desta pessoa era o primeiro a ladrar e marcar presença.
Um dia esta pessoa morreu e o cão sobrevivo deixou de ladrar ao nascer do dia.
Este cão simplesmente passou a ganir na agonia de ter perdido a sua fiel companhia.
A rua daquele bairro, acorda todos os dias com a mesma sensação de urgência que cada um lhe impõe, mas nunca mais da mesma forma.
Faltava os olhos que brilhavam ao ver o dia a acordar para aqueles vizinhos.

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