sábado, 26 de novembro de 2022

13 - do tempo

E se pudessem morrer mais velhos, bastando para tal, congeminar uma ardilosa teia intrincada de negócios com o relógio do tempo. 
Ele faria das horas um espaço mais curto, roubando minutos sem que se notasse, 
o relógio do tempo negociava com o sol a intensidade da luz, 
assim na terra o tempo e os astros de outras paragens seriam coniventes numa engrenagem de envelhecimento não percepcionado pelos humanos.
Cada minuto teria menos segundos, cada hora teria minutos mais encolhidos, cada dia passaria de forma regular mais depressa com a ilusão da ampulheta mudar a sua rotação na sensação da passagem do tempo correcto.
O relógio inicial ajustava o Sol, o Sol ajustaria o sono e a vida dos humanos pela luz e sua ausência, os humanos acertariam os seus relógios numa coordenação conspirativa desconhecida com a entidade redutora do tempo.
O tempo passaria a ser medido na constante perca de segundos com repercussões directas e cumulativas nas unidades acima resultante da dimensão da pirâmide, ou seja dos minutos, horas, dias, meses e por camadas seguintes...
As pessoas envelheceriam mais devagar contando uma enganosa aritmética de datas.
Se fosse aumentado o ritmo do ponteiro dos segundos do relógio em três tempos, escondidos no que chega ao fim do ciclo e muda de minuto, o que inicia a sequência do minuto e acrescenta um passo e por meio, distraidamente, galgava o seu meio em dois andados, no fim do minuto perfazia cinquenta e sete segundos certos, onde no mostrador mudava imediatamente de minuto. 
Passada uma hora, os sessenta minutos teriam menos cento e oitenta segundos. No final do dia, e nesta cadência de roubar segundos ao envelhecimento, o relógio do tempo teria poupado quatro mil trezentos e vinte segundos, setenta e dois minutos certos, ou uma hora e doze minutos, num dia de vinte e quatro horas. 
Quem poderia desconfiar?
O relógio do tempo é soberano. Porquê duvidar? Com que base questionar...
Extrapolando as contas ao ano, dos vinte e seis mil duzentos e oitenta minutos anulados, quatrocentos e trinta e oito horas, aproximadamente dezoito dias e quinze minutos, seriam este o ganho de tempo no célere ritmo biológico dos humanos. 
Uma pessoa que viva oitenta anos, quando morrer sentirá o peso de trinta e cinco mil e quarenta minutos reduzido ao cadastro desde a data de nascimento. Perfazendo mil quatrocentos e sessenta dias. Em ciclos anuais a pura matemática, coloca o idoso com setenta e seis anos certos. Menos quatro anos.
Para que serve esta conta?
Como poderemos dizer ao corpo de oitenta anos que foi roubado todos os minutos da vida em três segundos, e que os setenta e seis anos de velas contadas ininterruptamente, são afinal oitenta?
Quão ardilosa a engrenagem da mentira pode ser mantida aos olhos de toda a vigência da humanidade?
Se o ser humano vai ao espaço numa longínqua viagem pelo cosmos, esse destemido ser da portinhola da vigia da nave espacial, sim porque viaja acima do céu das nuvens que nos tapam os olhos do que está para lá, não conseguirá ver a máquina do relógio do tempo, e afinando a visão por entre as poeiras cósmicas num olhar abstrato mas semicerrado e discernir, ali está a congeminação inicial, de onde por hercúleas artes decide navegar o seu casulo mecânico, trazendo-o a terra firme e numa pose de herói  denunciar a todos - Atentai, Atentai seres cegos da verdade, estamos a ser enganados pelo indecente ponteiro dos segundos com a conivência do dos minutos e das horas. Coitada, esta que, se calhar também está a ser enganada. E ali bramir uma nova ordem da contagem do tempo. 
Quem decidiu que aquela medida rudimentar do tempo, calculada pouco depois dos humanos rabiscarem traços difusos aos nossos olhos em cavernas iluminadas por archotes de luz imprecisa, poderia servir de base à ciência da rotação do planeta sobre o Sol? 
Isto sem esquecer as diatribes causadas pela ignorância da lei que colocava o planeta Terra no centro do desconhecido e que o Sol andaria a reboque das mentes iluminadas da altura, para glorificar reis terrenos e deuses etéreos.
Alguém decidiu medir algo infinitamente pequeno e não palpável, como coisa de lei suprema e superior a todos os dados do imberbe conhecimento. Depois vem a figura de Deus. Temos o tempo parcelado em segmentos de segundos, minutos, horas, dias, meses e anos, cujas contas não batendo certas, se inclui o resto a que chamaram de ano bissexto, para saldar as contas à unidade. 
E Deus. 
Comandante de todas as coisas, vindas, ausentes, sobrevindas e vindouras, mortas e destruídas, existentes e por morrer. 
Deus, essa qualquer coisa, não desfazendo da retórica da metáfora, como a ideia do superior não perceptível e tangível para qualquer momento da história da existência do ser humano. 
Dizemos assim. Deus vê tudo, Deus sabe tudo, Deus pode tudo, Deus comanda e decide tudo, Deus está em todo o lado. 
Tal como o tempo que não o vemos, não se nos apresentando como uma uma nuvem difusa que se dissipa e nos escorre por entre os dedos...
Ali está Deus. Ali está o tempo.   

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